Por: Jairton Fraga Araújo
Coordenador do Caerdes
Agricultura, cujo prefixo agro tem origem no verbete agru,
que significa terra cultivada ou cultivável, é a arte ou
processo de usar o solo para cultivar plantas com o objetivo de
obter alimentos, fibras, energia e matéria prima para roupas, construções, medicamentos, ferramentas e contemplação
estética, esta é a definição para uma
das atividades mais recentes da história
da humanidade, datando
apenas, cerca de 10 mil anos e tendo
surgido nos solos aluviais de alta fertilidade ao longo dos cursos hídricos.
A medida que a população do planeta foi
aumentando as pressões por alimentos foram crescendo e o homem sentiu a
necessidade de manejar os ecossistemas naturais para atender a demanda pela
produção de alimentos.
Com o incremento populacional ocorrendo de
maneira célere, a produção de alimentos requereria, o desenvolvimento de
técnicas de produção capazes de dar suporte a necessidade alimentar crescente.
O advento da introdução da química na produção
agrícola que ocorreu por volta de 1848, com a hipótese anti-humista da nutrição
de plantas desenvolvida por Justus Von Liebig, permitiu que, anos depois, com a
revolução industrial, surgisse, uma agricultura intitulada de moderna,
altamente dependente de energia e estabelecida sobre o trinômio: agroquímica -
biotecnologia com manipulação genética e mecanização intensiva. As altas
produtividades e rentabilidades obtidas pelos agricultores que adotaram o
modelo emergente preconizado pela revolução industrial e batizado de Revolução verde, impulsionaram
efetivamente, uma drástica transformação no modus
de produção dos alimentos.
De imediato a primeira conseqüência, foi o
abandono de práticas agrícolas seculares e importantes para a conservação de solos, tais como: adubação verde, pousio, rotação de
culturas, consorciação entre outras, que passaram a ser relegadas a um
segundo plano como se fora tecnologias atrasadas – aliás, assim foram
“vendidas”. Até dos currículos escolares de agronomia foram secundarizadas,
como se não fossem estratégias insubstituíveis para a agricultura, em
particular a dos trópicos.
Por volta de 1920, pesquisadores contrários ao
quimismo proposto por Liebig, para a nutrição de plantas, intensificaram os
estudos para aprimorar o modelo de produção de base ecológica ou orgânica, que
foi de ampla utilização por agricultores de todo o mundo por milênios.
Assim surgiu um edificante movimento de
fundamentação científica e com um cunho humano-conservacionista,
distinguindo-se do paradigma ecônomico-quimista de produzir a qualquer custo.
Lançou-se assim, às bases da agricultura orgânica através de seus princípios
maiores:
§
A
propriedade agrícola é um organismo com funções interligadas e interdependentes
§
O
ambiente deve estar em adequada harmonia com a paisagem e o homem
§
O
elemento vegetal e o elemento animal devem estar integrados e seus resíduos
aproveitados num processo de ciclagem
§
Deve-se
na produção agrícola, enfatizar o uso de tecnologias de processo e não de
produtos.
Tais princípios soam incompreensíveis e completamente
anticientifícos para o paradigma dominante, pois toda a sua ciência é
positivista e todo o pensar da denominada ciência moderna é cartesiano,
faltam-lhes elementos holísticos e sistêmicos para compreensão do todo já que o
raciocínio para eles só é lógico se for feito decompondo e compartimentalizando
a matéria e os processos.
Neste sentido, os princípios para melhor
compreensão, devem ser traduzidos em passos, que precisam ser adotados quando
se fala em produzir organicamente, e assim poderíamos a título de ilustração
mencionar alguns:
§
Substituir
o uso de insumos industriais por práticas que melhorem a qualidade de do solo
§
Ampliar
a utilização de recursos naturais, renováveis e disponíveis localmente ou
regionalmente
§
Ampliar
a diversidade biológica das espécies nos sistemas de produção
§
Desenhar
sistemas adaptados às condições locais e adaptados aos microambientes
§
Resgatar
a diversidade genética local
§
Resgatar
e conservar os conhecimentos e a cultura local.
Modernamente assiste-se a uma profusão de pacotes
tecnológicos ou ao uso das tecnologias de produto, baseados nos pilares já
mencionados e que acabaram provocando êxodo rural de agricultores familiares,
pelo aumento desmedido dos custos de produção, poluição química de mananciais e
cursos de água, contaminação de agricultores, estreitamento da base genética
das variedades empregadas pela substituição das tradicionais por híbridos e
variedades sintéticas (com relação a este aspecto, presencia-se um verdadeiro
holocausto botânico, com apenas uma variedade de arroz a IR-36 ocupando cerca de 60% das terras arrozeiras do Sudeste
Asiático, onde, há poucos anos, eram comuns milhares de variedades
tradicionais) monocultura, maciça utilização de agrotóxicos, antibióticos e
hormônios, eliminação de milhões de postos de trabalho pela intensa
motomecanização.
Vive-se a era da cosmetologia, ou seja, do
vale tudo pela aparência e não pela qualidade intrínseca que o alimento deve
apresentar.
O alto custo social, ambiental e financeiro
desse modelo, que é profundamente excludente e dependente da indústria não
parece causar nenhum incômodo aos governos e por outro lado, a sociedade que em
sua grande e esmagadora maioria desconhece os riscos dessa agricultura suicida,
não exerce pressão nas esferas de poder do Estado no sentido de se redirecionar
a produção de alimentos, para caminhos sustentáveis, primando pela defesa da
qualidade da vida no mundo.
Indicadores mundiais sinalizam para um dado
alarmante: um terço da população mundial está desempregada; mais de 70% do comércio
mundial está nas mãos de apenas 500
empresas.
Onde está a saída para a encruzilhada em que o modelo de desenvolvimento adotado nos
colocou? Não é pergunta fácil de ser respondida, mas certamente, poderemos
destacar que uma das medidas que permitiria de imediato reduzir a dependência
do modelo industrial, fixar famílias inteiras no campo, produzir alimentos com
menor custo ambiental, financeiro e social seria uma sólida política voltada
para a economia dos recursos naturais, entre as quais, destaca-se a agricultura
orgânica (entendida como um sistema de gerenciamento total da produção agrícola
com vistas a promover e realçar a saúde do meio ambiente, preservar a
biodiversidade, os ciclos e as atividades biológicas do solo) para exportação e
para o mercado interno fortalecendo-a, com medidas como: recursos financeiros
para pesquisas, crédito, incentivos fiscais, capacitação, difusão dos
conhecimentos e agroindústria de alimentos de base ecológica. Certamente outras
e muitas outras medidas, poderão ser elencadas, não é nossa pretensão esgotar
as possibilidades.
Por outro lado, faz-se cada vez mais premente,
retomar o poder de consumir o alimento que desejamos e não o que nos é imposto
pela mídia industrial, o que os americanos chamam genericamente de “consumer
empowerment” ou “power to the people”. Entre nós, significa que o cidadão
tornou-se mais consciente de seus direitos e exigiu para si parcela do poder de
decisão sobre os hábitos de consumo, tendo como foco uma vida mais saudável.
Inserem-se nesse contexto as exigências de qualidade e de inocuidade dos
alimentos, um comportamento nascido na Europa, que rapidamente se espalhou nos
demais países do mundo.
As proposições poderão parecer simplistas,
especialmente porque darão a impressão que propugna-se, pelo retorno ao passado
em um mundo tão diferente daquele, mas a respeito desse aspecto, pode-se
ponderar, mencionando o pai da moderna nutrição de plantas Justus Von Liebig,
citando-se o epitáfio que se encontra na lápide de seu túmulo:
“Pequei contra a sabedoria do Criador e com
razão fui castigado. Queria melhorar o seu trabalho porque acreditava, na minha
obsessão, que um elo da assombrosa cadeia de leis que governa e renova
constantemente a vida sobre a superfície da terra tinha sido esquecida. Pareceu-me
que este descuido tinha que emendá-lo o frágil e insignificante ser humano”.
Liebig
suicidou-se em 1873. Esse fato os livros de história não mencionam.
É hora de retornar !
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