Maurício
Antônio Lopes
Presidente da Embrapa
Presidente da Embrapa
A Revolução Industrial do final do
século 18 e início do século 19 foi uma força que transformou o mundo. Na
produção, mãos foram substituídas por máquinas, métodos e processos evoluíram
com ganhos de eficiência no uso da energia e de insumos, criando uma enorme
gama de novos produtos e facilidades para as pessoas. A Revolução Industrial
foi um divisor de águas na história e desde então o mundo experimentou um
progresso sem precedentes. A pobreza absoluta, que há duzentos anos, penalizava
94% da população mundial, reduziu-se para cerca de 14% da humanidade.
Talvez o mundo esteja passando por uma
transição ainda mais dramática, em razão de três forças que operam em
velocidade e intensidade muito superior àquelas que produziram a Revolução
Industrial. Urbanização acelerada, aumento da frequência de eventos climáticos
extremos e avanços expressivos no desenvolvimento científico e tecnológico
ocorrem como ondas em sinergia. São forças capazes de amplificar umas às
outras, ganhando magnitude e maior poder de influência, com transformações
substantivas na vida da sociedade.
A primeira força vem do crescimento
das cidades, que têm incorporado, em âmbito global, uma média de 65 milhões de
pessoas anualmente, nas últimas três décadas. Isso equivale a criar quase seis
cidades de São Paulo a cada ano. Segundo a ONU, em 2010 a população urbana no
mundo pela primeira vez ultrapassou a população rural. Até 2030, espera-se que
cerca de 60% da população mundial esteja vivendo em áreas urbanas. No Brasil,
em 2010, dos 191 milhões de brasileiros, apenas 29,8 milhões (15,6%) estavam no
meio rural. Em 2030, projeta-se que 90% estarão nas cidades.
A segunda força, as mudanças climáticas
globais, indica que o modelo de desenvolvimento dependente de recursos não
renováveis que, ao longo de décadas, elevou os níveis de poluição e a emissão
de gases de efeito estufa a patamares perigosos, chegou a seu limite. Mudanças
de clima e os anseios da sociedade por um futuro sustentável forçam a busca de
um novo paradigma energético e de novas possibilidades de produção, com
práticas mais limpas e substituição de matérias-primas de origem fóssil por
recursos de base biológica, recicláveis e renováveis. Em um mundo
pós-combustível fóssil, uma crescente proporção de químicos, plásticos,
têxteis, eletricidade e combustíveis terá de vir de outras fontes, e não mais
do petróleo.
A terceira força vem da profunda
alteração no escopo, escala e impacto econômico do desenvolvimento tecnológico.
Ruptura marcada pelo avanço cada vez mais rápido do conhecimento e pela
dissolução dos limites entre as ciências tradicionais como a física, a química
e a biologia. Os avanços da tecnologia da informação e a transformação digital
produzem uma espécie de fertilização cruzada entre vários domínios científicos,
com geração de novos conhecimentos e produção de bens e serviços antes
impossíveis de se obter. Muitos deles incorporados pela sociedade em ritmo
alucinante. Há vinte anos, menos de 3% das pessoas tinham um telefone celular.
Hoje, dois terços dos habitantes do planeta têm pelo menos um.
Da sinergia entre estas três forças –
urbanização, clima e tecnologia – surgirão muitos desafios e oportunidades,
além de mudanças radicais no comportamento da sociedade. Com o avanço do
progresso e das mudanças demográficas, o futuro nos promete, além de cidades
mais populosas, pessoas mais idosas, mais educadas e mais exigentes. Os
desafios de gerir megacidades e as preocupações com o equilíbrio ambiental já
colocaram a sustentabilidade no topo da agenda da sociedade. E a
intensificação dos fluxos de capital, informações e pessoas, em todos os cantos
do planeta, vai criar um novo ciclo de globalização, mais dinâmico, volátil e também
mais imprevisível.
As assimetrias tenderão a crescer. Em
duas décadas, a região da Ásia-Pacífico concentrará cerca de 60% da classe
média mundial. Ali haverá uma escalada de demanda por leite, carne, ovos,
peixes, frutas, verduras e legumes. O aumento da demanda por alimentos, em
quantidade, qualidade e diversidade, em regiões onde é baixa a disponibilidade
de áreas agricultáveis é uma grande preocupação para o futuro. Além de
provedores confiáveis em várias partes do mundo, a Ásia necessitará de um sistema
de comércio complexo e intrincado, com ramificações em muitos continentes. Uma
grande oportunidade para o Brasil, do qual se espera protagonismo crescente e
qualificado na produção de alimentos.
O fato é que a força das mudanças em
curso provocará uma elevação da complexidade em praticamente todos os processos
do mundo moderno, exigindo de indivíduos, empresas e governos a compreensão de
que estamos imersos em um verdadeiro "sistema de sistemas", com
interfaces nas dimensões econômica, social, ambiental e política. A redução dos
riscos, das incertezas e da ineficiência dos muitos processos que movem a
sociedade só será alcançada com planejamento eficiente e continuada ampliação
da nossa capacidade de integrar e gerir sistemas complexos. Klaus Schwab, fundador
e presidente do Fórum Econômico Mundial, refletindo sobre esta realidade
afirmou que "neste novo mundo não é o peixe grande que come o peixe
pequeno; é o peixe rápido que come o peixe lento".
Artigo publicado na edição do dia 9 de
agosto de 2015 do jornal Correio Braziliense
Artigo disponivel em: https://www.embrapa.br/web/portal/busca-de-noticias/-/noticia/4250066/artigo---tres-forcas-que-transformam-o-mundo
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