3 de out. de 2015

É hora de retornar!


Por: Jairton Fraga Araújo
Coordenador do Caerdes

Agricultura, cujo prefixo agro tem origem no verbete agru, que significa terra cultivada ou cultivável, é a arte ou processo de usar o solo para cultivar plantas com o objetivo de obter alimentos, fibras, energia e matéria prima para roupas, construções, medicamentos, ferramentas e contemplação estética,  esta é a definição para uma das atividades mais recentes  da história da humanidade, datando apenas, cerca de 10 mil anos  e tendo surgido nos solos aluviais de alta fertilidade ao longo dos cursos hídricos.

A medida que a população do planeta foi aumentando as pressões por alimentos foram crescendo e o homem sentiu a necessidade de manejar os ecossistemas naturais para atender a demanda pela produção de alimentos.

Com o incremento populacional ocorrendo de maneira célere, a produção de alimentos requereria, o desenvolvimento de técnicas de produção capazes de dar suporte a necessidade alimentar crescente.

O advento da introdução da química na produção agrícola que ocorreu por volta de 1848, com a hipótese anti-humista da nutrição de plantas desenvolvida por Justus Von Liebig, permitiu que, anos depois, com a revolução industrial, surgisse, uma agricultura intitulada de moderna, altamente dependente de energia e estabelecida sobre o trinômio: agroquímica - biotecnologia com manipulação genética e mecanização intensiva. As altas produtividades e rentabilidades obtidas pelos agricultores que adotaram o modelo emergente preconizado pela revolução industrial e batizado de Revolução verde, impulsionaram efetivamente, uma drástica transformação no modus de produção dos alimentos.

De imediato a primeira conseqüência, foi o abandono de práticas agrícolas seculares e importantes para  a conservação de solos, tais como: adubação verde, pousio, rotação de culturas, consorciação entre outras, que passaram a ser relegadas a um segundo plano como se fora tecnologias atrasadas – aliás, assim foram “vendidas”. Até dos currículos escolares de agronomia foram secundarizadas, como se não fossem estratégias insubstituíveis para a agricultura, em particular a dos trópicos.

Por volta de 1920, pesquisadores contrários ao quimismo proposto por Liebig, para a nutrição de plantas, intensificaram os estudos para aprimorar o modelo de produção de base ecológica ou orgânica, que foi de ampla utilização por agricultores de todo o mundo por milênios.

Assim surgiu um edificante movimento de fundamentação científica e com um cunho humano-conservacionista, distinguindo-se do paradigma ecônomico-quimista de produzir a qualquer custo. Lançou-se assim, às bases da agricultura orgânica através de seus princípios maiores:

§   A propriedade agrícola é um organismo com funções interligadas e interdependentes
§   O ambiente deve estar em adequada harmonia com a paisagem e o homem
§   O elemento vegetal e o elemento animal devem estar integrados e seus resíduos aproveitados num processo de ciclagem
§   Deve-se na produção agrícola, enfatizar o uso de tecnologias de processo e não de produtos.

Tais princípios soam incompreensíveis e completamente anticientifícos para o paradigma dominante, pois toda a sua ciência é positivista e todo o pensar da denominada ciência moderna é cartesiano, faltam-lhes elementos holísticos e sistêmicos para compreensão do todo já que o raciocínio para eles só é lógico se for feito decompondo e compartimentalizando a matéria e os processos.

Neste sentido, os princípios para melhor compreensão, devem ser traduzidos em passos, que precisam ser adotados quando se fala em produzir organicamente, e assim poderíamos a título de ilustração mencionar alguns:

§   Substituir o uso de insumos industriais por práticas que melhorem a qualidade de do solo
§   Ampliar a utilização de recursos naturais, renováveis e disponíveis localmente ou regionalmente
§   Ampliar a diversidade biológica das espécies nos sistemas de produção
§   Desenhar sistemas adaptados às condições locais e adaptados aos microambientes
§   Resgatar a diversidade genética local
§   Resgatar e conservar os conhecimentos e a cultura local.

Modernamente assiste-se a uma profusão de pacotes tecnológicos ou ao uso das tecnologias de produto, baseados nos pilares já mencionados e que acabaram provocando êxodo rural de agricultores familiares, pelo aumento desmedido dos custos de produção, poluição química de mananciais e cursos de água, contaminação de agricultores, estreitamento da base genética das variedades empregadas pela substituição das tradicionais por híbridos e variedades sintéticas (com relação a este aspecto, presencia-se um verdadeiro holocausto botânico, com apenas uma variedade de arroz a IR-36 ocupando cerca de 60% das terras arrozeiras do Sudeste Asiático, onde, há poucos anos, eram comuns milhares de variedades tradicionais) monocultura, maciça utilização de agrotóxicos, antibióticos e hormônios, eliminação de milhões de postos de trabalho pela intensa motomecanização.

Vive-se a era da cosmetologia, ou seja, do vale tudo pela aparência e não pela qualidade intrínseca que o alimento deve apresentar.

O alto custo social, ambiental e financeiro desse modelo, que é profundamente excludente e dependente da indústria não parece causar nenhum incômodo aos governos e por outro lado, a sociedade que em sua grande e esmagadora maioria desconhece os riscos dessa agricultura suicida, não exerce pressão nas esferas de poder do Estado no sentido de se redirecionar a produção de alimentos, para caminhos sustentáveis, primando pela defesa da qualidade da vida no mundo.

Indicadores mundiais sinalizam para um dado alarmante: um terço da população mundial está desempregada; mais de 70% do comércio mundial está nas mãos de apenas 500  empresas.

Onde está a saída para a encruzilhada em que o modelo de desenvolvimento adotado nos colocou? Não é pergunta fácil de ser respondida, mas certamente, poderemos destacar que uma das medidas que permitiria de imediato reduzir a dependência do modelo industrial, fixar famílias inteiras no campo, produzir alimentos com menor custo ambiental, financeiro e social seria uma sólida política voltada para a economia dos recursos naturais, entre as quais, destaca-se a agricultura orgânica (entendida como um sistema de gerenciamento total da produção agrícola com vistas a promover e realçar a saúde do meio ambiente, preservar a biodiversidade, os ciclos e as atividades biológicas do solo) para exportação e para o mercado interno fortalecendo-a, com medidas como: recursos financeiros para pesquisas, crédito, incentivos fiscais, capacitação, difusão dos conhecimentos e agroindústria de alimentos de base ecológica. Certamente outras e muitas outras medidas, poderão ser elencadas, não é nossa pretensão esgotar as possibilidades.

Por outro lado, faz-se cada vez mais premente, retomar o poder de consumir o alimento que desejamos e não o que nos é imposto pela mídia industrial, o que os americanos chamam genericamente de consumer empowermentoupower to the people. Entre nós, significa que o cidadão tornou-se mais consciente de seus direitos e exigiu para si parcela do poder de decisão sobre os hábitos de consumo, tendo como foco uma vida mais saudável. Inserem-se nesse contexto as exigências de qualidade e de inocuidade dos alimentos, um comportamento nascido na Europa, que rapidamente se espalhou nos demais países do mundo.

As proposições poderão parecer simplistas, especialmente porque darão a impressão que propugna-se, pelo retorno ao passado em um mundo tão diferente daquele, mas a respeito desse aspecto, pode-se ponderar, mencionando o pai da moderna nutrição de plantas Justus Von Liebig, citando-se o epitáfio que se encontra na lápide de seu túmulo:
Pequei contra a sabedoria do Criador e com razão fui castigado. Queria melhorar o seu trabalho porque acreditava, na minha obsessão, que um elo da assombrosa cadeia de leis que governa e renova constantemente a vida sobre a superfície da terra tinha sido esquecida. Pareceu-me que este descuido tinha que emendá-lo o frágil e insignificante ser humano”.
Liebig suicidou-se em 1873. Esse fato os livros de história não mencionam.

É hora de retornar !

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