Prof. Dr. Jairton Fraga
Araujo
Os elementais da natureza falam,
ouvem e sentem, com outros sentidos que não os conhecidos, contudo, apenas as
culturas aborígines e os celtas, perceberam essa relação permanente de todos os
tempos. Nós, da chamada cultura ocidental, urbanos, cinzentos, tristes, somos
definitivamente temporários pouco afeitos ao mundo da espiritualidade da
natureza que desconhecemos.
Entre os elementais da natureza,
desperta muita atenção os rios – sim, os rios, porque a razão e à semelhança
dos seres humanos os rios possuem uma alma, (uma centelha vital que o anima) e são alimentadores do espírito
humano. O superorganismo Gaia, é constituído por seres animados e inanimados e
todos fazem parte da evolução planetária. Os sentidos mais materializados,
percebem os seres animados e inanimados. Contudo, o imaterial está dissolto em
uma tênue penumbra, real mas não visível. Assim o planeta é um enorme útero
onde formas viventes e não viventes, materiais e imateriais convivem
harmonicamente, coevoluindo e interagindo sempre. Realizam processos que estão
submetidos a uma ordem perfeita mas pouco compreensível, ocupando o espaço.
Todo nosso evoluir tem sido
profundamente dorido, pois embora dotados de razão os homens experimentam
sentimentos que em outros seres estão adormecidos. E esses sentimentos são a
causa primária de nossas dificuldades evolutivas. Vivemos numa época e em sociedades,
que perderam aspectos fundamentais do equilíbrio psíquico, por exemplo, o hábito
da contemplação, as pessoas não admiram com a intensidade, atenção e
apreço de outrora, os rios, a lua, as plantas, as rochas preciosas, o sol e as
estrelas. Não nos entusiasmamos mais, com a chuva, senão, pelo aspecto
econômico que resulta da sua ocorrência. Em outros tempos, seu significado
ultrapassava muito a função econômica, encantava-nos o vê-la deitar sobre a
terra, correr solta e possibilitar a vida. Em síntese, as pessoas não se
permitem o ócio criativo.
Para a atual civilização a função
econômica determina a vida e não a vida, determina as funções, essa é a lógica,
que nos é, fatal.
Nós, estamos perdendo a humanidade
que há em cada um, trocando-a pelas conquistas tecnológicas que produzem o
excessivo conforto material e o acúmulo de riqueza na busca da felicidade. Toda
busca desenfreada pela satisfação material nos desequilibra e produz dor e
sofrimento à natureza. Francisco de Assis, foi um singular exemplo de vida
irmanada com a natureza, renunciou à riqueza e passou a pregar a simplicidade e
a espiritualidade. Tais considerações, parecem a princípio contraditórias, pois
todo o esforço civilizatório foi, e o é, para melhorar a vida na Terra – vida,
que de modo geral, simboliza para a esmagadora maioria dos viventes na Terra, apenas e tão somente, bem estar físico –
financeiro.
Uma observação mais detalhada,
permite concluir, que todas as lutas pela sobrevivência estão reduzidas a
organização socioeconômica e sua luta pela produção e pela distribuição das
riquezas, como se, para além, nada houvesse, só o vazio e a ausência de
significados. A lógica do Establishment é dominar e subordinar
a natureza a uma função econômica. Tais “verdades”
se constituem em sistemas incompletos e fraturados. São modelos lineares,
quando a vida é híbrida, são ensaios encapsulados da razão humana, destituídos
do elemento espiritualidade e não por menos excludentes da totalidade.
Por sua vez os nossos irmãos – os
rios, são criadouros, altruístas e sem ambiguidades. Nas cheias, podem
proporcionar a vida ou destruí-la ferozmente, é a alma do rio se expandindo.
Olhá-lo é revigorar a alma humana é renascer para a vida quotidiana. As águas
organizadas correndo por sobre a superfície da terra são vivificadoras e o
olhar detido ao rio é como adentrar sua alma numa catarse psicológica, lá
encontramos paz, quietude, beleza, senso de estética, grandiosidade e são nesses
momentos, que realizamos encontros com o universo.
Quando descerro meus olhos para o
Velho Chico, vendo-o hidrosangrar,
perdendo ao longo dos anos suas artérias principais e vitais, padecendo de
ateroesclerose pela deposição de sedimentos em seu leito, vê-lo perder a visão
pois arrancam suas matas ciliares protetivas e secam suas papilas gestativas, ver
inserirem em suas entranhas corpos estranhos e toxinas sintéticas, sinto que a
alma irmã – o rio, mesmo ferido, oferece-se em martírio, possibilitando que
nosso corpo material dele se beneficie, com cada célula se renovando, cada
reação bioquímica ocorrendo
simultaneamente ao correr das águas, ajudando-nos a descobrir novos
significados para continuar vivendo. Neste instante, vejo que o belo e o
trágico são expressões humanas e que o rio traz a vida e a renovação. Convenço-me então, que sou
seu irmão e que sua alma me alimenta como elementais que se completam.
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