16 de ago. de 2013

A ALMA DO RIO

Prof. Dr. Jairton Fraga Araujo

Os elementais da natureza falam, ouvem e sentem, com outros sentidos que não os conhecidos, contudo, apenas as culturas aborígines e os celtas, perceberam essa relação permanente de todos os tempos. Nós, da chamada cultura ocidental, urbanos, cinzentos, tristes, somos definitivamente temporários pouco afeitos ao mundo da espiritualidade da natureza  que desconhecemos.  

Entre os elementais da natureza, desperta muita atenção os rios – sim, os rios, porque a razão e à semelhança dos seres humanos os rios possuem uma alma, (uma centelha vital que o anima) e são alimentadores do espírito humano. O superorganismo Gaia, é constituído por seres animados e inanimados e todos fazem parte da evolução planetária. Os sentidos mais materializados, percebem os seres animados e inanimados. Contudo, o imaterial está dissolto em uma tênue penumbra, real mas não visível. Assim o planeta é um enorme útero onde formas viventes e não viventes, materiais e imateriais convivem harmonicamente, coevoluindo e interagindo sempre. Realizam processos que estão submetidos a uma ordem perfeita mas pouco compreensível,  ocupando o espaço.

Todo nosso evoluir tem sido profundamente dorido, pois embora dotados de razão os homens experimentam sentimentos que em outros seres estão adormecidos. E esses sentimentos são a causa primária de nossas dificuldades evolutivas. Vivemos numa época e em sociedades, que perderam aspectos fundamentais do equilíbrio psíquico, por exemplo, o hábito da contemplação, as pessoas não admiram com a intensidade, atenção e apreço de outrora, os rios, a lua, as plantas, as rochas preciosas, o sol e as estrelas. Não nos entusiasmamos mais, com a chuva, senão, pelo aspecto econômico que resulta da sua ocorrência. Em outros tempos, seu significado ultrapassava muito a função econômica, encantava-nos o vê-la deitar sobre a terra, correr solta e possibilitar a vida. Em síntese, as pessoas não se permitem o ócio criativo.

Para a atual civilização a função econômica determina a vida e não a vida, determina as funções, essa é a lógica, que nos é, fatal.

Nós, estamos perdendo a humanidade que há em cada um, trocando-a pelas conquistas tecnológicas que produzem o excessivo conforto material e o acúmulo de riqueza na busca da felicidade. Toda busca desenfreada pela satisfação material nos desequilibra e produz dor e sofrimento à natureza. Francisco de Assis, foi um singular exemplo de vida irmanada com a natureza, renunciou à riqueza e passou a pregar a simplicidade e a espiritualidade. Tais considerações, parecem a princípio contraditórias, pois todo o esforço civilizatório foi, e o é, para melhorar a vida na Terra – vida, que de modo geral, simboliza para a esmagadora maioria dos viventes na Terra,  apenas e tão somente, bem estar físico – financeiro.

Uma observação mais detalhada, permite concluir, que todas as lutas pela sobrevivência estão reduzidas a organização socioeconômica e sua luta pela produção e pela distribuição das riquezas, como se, para além, nada houvesse, só o vazio e a ausência de significados. A lógica do Establishment é dominar e subordinar a natureza a uma função econômica.  Tais “verdades” se constituem em sistemas incompletos e fraturados. São modelos lineares, quando a vida é híbrida, são ensaios encapsulados da razão humana, destituídos do elemento espiritualidade e não por menos excludentes da totalidade.

Por sua vez os nossos irmãos – os rios, são criadouros, altruístas e sem ambiguidades. Nas cheias, podem proporcionar a vida ou destruí-la ferozmente, é a alma do rio se expandindo. Olhá-lo é revigorar a alma humana é renascer para a vida quotidiana. As águas organizadas correndo por sobre a superfície da terra são vivificadoras e o olhar detido ao rio é como adentrar sua alma numa catarse psicológica, lá encontramos paz, quietude, beleza, senso de estética, grandiosidade e são nesses momentos, que realizamos encontros com o universo.


Quando descerro meus olhos para o Velho Chico, vendo-o hidrosangrar, perdendo ao longo dos anos suas artérias principais e vitais, padecendo de ateroesclerose pela deposição de sedimentos em seu leito, vê-lo perder a visão pois arrancam suas matas ciliares protetivas e secam suas papilas gestativas, ver inserirem em suas entranhas corpos estranhos e toxinas sintéticas, sinto que a alma irmã – o rio, mesmo ferido, oferece-se em martírio, possibilitando que nosso corpo material dele se beneficie, com cada célula se renovando, cada reação bioquímica ocorrendo  simultaneamente ao correr das águas, ajudando-nos a descobrir novos significados para continuar vivendo. Neste instante, vejo que o belo e o trágico são expressões humanas e que o rio traz a  vida e a renovação. Convenço-me então, que sou seu irmão e que sua alma me alimenta como elementais que se completam.

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