Dizem que o Brasil é um país privilegiado: detém 13% do recurso
natural mais precioso da Terra, a água doce. Ironicamente, sua a maior cidade
(também a maior da América do Sul), São Paulo, está tendo que pedir ajuda do
amigo São Pedro para não morrer de sede até o fim do ano. Se a chuva não vier
de presente, aumentando o quase zerado nível do Sistema Cantareira, o
racionamento – já recomendado pelo Ministério Público Federal e pela Agência
Nacional das Águas – vai ser a única alternativa para garantir o abastecimento
a mais de 8 milhões de pessoas na capital paulista e em outras 10 cidades da
região metropolitana.
O país tem água de monte. O que não é equilibrado é a
distribuição: onde há menos gente, há mais oferta – Amazônia, por exemplo.
Enquanto isso, grandes centros urbanos, como São Paulo, dispõem de menos
recursos hídricos para deixar rolar o líquido de torneiras, duchas e
mangueiras.
"Menos" não significaria escassez caso as águas do
Brasil não sofressem de um mal secular: a poluição. Fosse diferente, não seria
preciso rezar pela chuva nem cogitar – mediante tecnologias caras – tornar
potável a água salgada, que corresponde a 97% do líquido disponível na Terra.
– O Rio Tietê, por exemplo: está
podre. Aquela água toda serviria para São Paulo, mas não pode ser utilizada –
lamenta o coordenador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS), André Silveira.
Os efeitos da poluição comprometem o
título que a América do Sul carrega de continente mais rico do planeta em
recursos hídricos, segundo a ONU e o Banco Mundial. Em uma perspectiva
econômica, custa menos puxar água limpa de longe do que investir no tratamento
da água de um rio sujo como o Tietê, afirma o professor Silveira. E a situação
está longe de ser exclusiva do mais importante rio paulista. No Rio Grande do
Sul, as bacias dos rios dos Sinos e Gravataí, além do próprio Arroio Dilúvio,
estão andando pelo mesmo caminho.
A ciência tem trabalhado para curar
as doenças dos rios (veja algumas propostas no infográfico abaixo), na
contramão da ação do homem, que insiste em não preservar seus mananciais,
possivelmente por conta da abundância. Afinal, se tem de sobra, por que cuidar?
– Uma água já preservada na origem
torna-se potável muito mais facilmente e de forma mais barata – justifica
Silveira, que vê descompasso entre investimento em saneamento e crescimento
populacional no país: água até sobra, mas o planejamento falha.
– O problema do Brasil, no fim das
contas, é de gestão – resume.
O diretor-presidente da Agência
Nacional das Águas (ANA), Vicente Andreu, afirma que, embora 97% da população
urbana do país tenha acesso à rede de abastecimento, há irregularidade no
fornecimento e má qualidade da água. Exemplo: no máximo 20% do esgoto coletado
recebe tratamento – o resto é lançado nos corpos d'água. Até 2025, metade dos
municípios brasileiros pode ter prejuízos nos seus mananciais, reservatórios,
rios e águas subterrâneas.
– A água não tem a relevância que
merece, seja na tomada de decisões, seja em questões pequenas, como os hábitos
pessoais – opina Silveira.
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Infográfico: Paula Castro / Especial |
A agenda de cada
um
Frente a um cenário preocupante, são
necessários alguns passos para garantir o abastecimento de água no futuro. O
mais fundamental deles é ampliar a prática do reúso de água.
– Os desperdícios são enormes em
todos os segmentos: nas grandes empresas, na agricultura e nas residências –
enumera o engenheiro agrônomo, ex-secretário de Recursos Hídricos, Saneamento e
Obras do Estado de São Paulo e coordenador de Articulação e Comunicação da
Agência Nacional das Águas, Antônio Félix Domingues.
Articular a engenharia hídrica com a
arquitetura pode ser uma boa saída para o reaproveitamento. Um exemplo é a
instalação de calhas para coleta de chuva – uma água que, embora não sirva para
beber, tomar banho ou cozinhar, pode ser usada para regar a horta, limpar pisos
e lavar carros.
– Usar água tratada para essas
atividades é o símbolo do mau uso – diz a professora Adriene Pereira, da
Faculdade de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS), especialista em recursos hídricos.
Ela defende que, assim como a Eco-92
estabeleceu uma agenda mundial – a Agenda 21 – para proteção da qualidade dos
recursos de água doce em escala global, é preciso que cada um pense em sua
própria realidade e estabeleça uma agenda pessoal de consumo consciente. A
começar pelas dicas básicas: desligar o chuveiro enquanto se ensaboa e escovar
os dentes com a torneira desligada.
Além disso, atenção (de novo) ao
descarte de resíduos contaminantes nas águas.
– A água é o receptor universal dos
poluentes. É para onde toda a gororoba vai. Isso pode começar a ser revertido
se as pessoas passarem a, além de evitar o desperdício, dar destino certo ao
seu próprio lixo – explica Adriene.